Monday, December 19, 2005

Luises


Três reis em reinos sombrios
ou
Metáfora para três paixões homônimas


Luís I

Esse era um jovem imperador adolescente muito tímido e quieto escondido por trás de grossas lentes dos seus óculos. Era talvez a única coisa realmente feia nele. Os hormônios naquela fase já lhe davam pêlos e uma aparência adulta para governar aquele reino. Por medo o jovem imperador desistiu, abriu mão de seus poderes em nome de uma ordem teocrática. Entregou-se de vez aos ensinamentos dos sacerdotes, não porque sofrera lavagem cerebral ou qualquer outra forma de manipulação, mas por um certo cinismo em admitir para si mesmo que estava no caminho certo e assim se livrar de vez do maior de seus medos: o pecado.

No meio a tanta loucura ele tinha uma peculiaridade: jamais condenou algum súdito. Nem mesmos os maledicentes.

Hoje, parece estar enfurnado em alguma biblioteca no lugar mais remoto de seu reino tomado por uma neurose que o faz contar todas as páginas dos livros de uma coleção interminável. Pelo menos ele não fala mais de religião. Só desaprova as mulheres de saia curta em seus domínios. No princípio, o senhor Rodrigues achou que era medo do tesão, hoje é sabido que ele teme ficar igual a uma dessas moças que ele tanto repreende.

Luis II

A cara feia e desgrenhada resumia-se em silêncios escutando alguma música que o levasse a um país distante, bem longe de seu reino. Alimentava a esperança de que algum dia um ET o levasse para uma galáxia distante e assim ele experimentaria toda a loucura que ele gostaria de experimentar e toda a alucinação possível e imaginada.

A razão para fugir de seu reino silencioso não era muito clara. O pai doente há muito tempo abdicara do trono em seu favor. Ele só se esquecera que o filho era tão omisso quanto ele. Já a velha rainha, que sempre ousou ter aquele reino nas suas mãos, mas não podia- a tradição impedia as mulheres de reinar-, preferiu agir nos bastidores. E tal estratégia deu certo por muito tempo, pois o filho era incapaz de tomar qualquer decisão que a desagradasse.

Até que um certo dia o tal alienígena chegou. Se apresentou ao rei, que ficou muito feliz e quis conhecer toda aquela terra, já que o ser nunca saíra de seu próprio planeta. Assim o rei fez: decidiu seguir seu sonho e apresentou o planeta para aquele simpático visitante.

Todavia, essa visita era feito em passos de tartaruga a ponto de deixar o ET confuso sobre o tempo naquele novo planeta. Sem falar que a velha rainha desconfiava de algo, mas o filho rei escondia tudo, pois sabia que não ficava bem para um governante andar com alguém de fora, ainda mais de outro planeta. Poderia ser acusado de traição pelos seus súditos, que na realidade sabiam de tudo e pouco se importavam.

Um dia a rainha mãe soube de tudo e fez um drama na sala secreta do palácio. Ela não queria chamar a atenção. Suplicou ao filho em desespero para que aquelas andanças com o forasteiro terminasse imediatamente. Claro que essa súplica foi feita com uma grande soberba, pois ela não queria perder a pose e o poder.

Então, no mesmo dia, o ET foi se encontrar com um confuso e desligado rei. Fez-lhe uma proposta tentadora: "venha comigo conhecer os outros lugares do universo, até aqueles que eu ainda não conheci. Não é isso que queremos?". Mas o rei hesitou muito e até tentou mandar seus guardas trancá-lo em algum calabouço para que ele não fugisse de lá. O rei, perdido em velhas idéias e com uma tecnologia tão capenga quando sua aparência, não se deu conta das novidades do alienígena, que usou de um dispositivo desconhecido e sumiu em sua nave, deixando os lacaios do rei atônitos. Desde então o alienígena não foi mais visto naquele lugar. Parece que ele anda vivendo novas experiências em um meteoro verde bem longe dali. E ao rei, restou a ele se fechar em seu próprio calabouço numa greve de fome não declarada, enquanto a família real permanece muda e apática, como era tudo antes da visita.

Luis III

Esse vivia num reinado de sombras. Não era um rei triste, tinha muita firmeza nas coisas que fazia, mas quando tinha que voltar para si mesmo o que ele encontrava era uma incerteza, uma incapacidade de dizer quem ele realmente era. Mas fazia tudo conforme as regras daquele reino e tinha certo reconhecimento de seus súditos. Tudo corria bem até o dia da tragédia em sua vida.

A rainha, sua esposa, havia se suicidado. Na carta de despedida ela se dizia insatisfeita e que iria procurar o seu próprio caminho e que ele deveria fazer o mesmo. O rei leu a carta de forma atenta, mas passou meses recusando a idéia de que aquele corpo enterrado no mausoléu da família era de sua rainha.

Alguns meses depois ele partiu em uma viagem para um mundo mais iluminado. Ao chegar nesse mundo sentiu que o sol o abençoava, mesmo que muitas vezes queimasse a sua frágil pele. O cheiro do mar trazido pelas brisas e os pés descalços nas pedras o fez se sentir novo e com novas esperanças.

E ali ele conheceu novas pessoas que trouxeram coisas novas a ele também. Parece que também ocorreu uma nova paixão por alguém daquele reino, mas que não pôde ser concretizada pois essa paixão recusava as sombras e o rei, um soberano responsável, não podia deixar seu trono vago.

Ao voltar para o seu país de origem ele viu todas as coisas sombrias exatamente no mesmo lugar que estavam. Só que algo o chamou a atenção enquanto cavalgava no meio da estrada que dava acesso ao seu castelo. Ele percebeu a sombra de uma árvore feia e velha sem folhas projetada no chão castigado daquela floresta. Pensou consigo mesmo "para haver sombra, deve vir luz de algum lugar, para bater nesta árvore e assim formar a imagem que vejo no chão". Assim, pela primeira vez em muito tempo voltou os olhos para o céu sombrio e percebeu que a luz do sol entrava timidamente por entre nuvens carregadas. E lembrou-se de que aquela luz era a mesma do país que visitara. Decidiu então largar o cavalo e se colocar sob aquela luz e, ao fechar os olhos, estava de novo no mesmo lugar onde foi feliz. E ao se sentir vivo percebeu que a felicidade não era um buraco de luz abrindo o céu, mas o que essa luz poderia abrir em seu coração.

No comments: