Monday, December 19, 2005

Curvas


Os deuses se reuniram para construir uma nova terra. E um deles para contrariar a determinação de sempre, aquela sempre quadrada e obtusa decidiu: a minha construirei com curvas. E leu seu manifesto aos demais presentes na reunião:

"Assim será a terra de São Sebastião. Quero ondas que se converterão em ressacas. Quero sexo, curvas de pênis, concavidade, vagina, bunda. Ânus, curvo e não reto como hão de dizer. E mais, os corpos se converterão em curvas, ainda que obtidas a comprimidos, bisturis e injeções. E para os malogrados desta terra, a curva da obesidade. E tudo isso há de ser celebrado em uma grande orgia de 4 dias, uma vez por ano.

Quero curvas para salientar a paisagem, desenhar os morros e suas ladeiras infindáveis. Curvas que desenham as balas que cortarão o céu curvo da terra e rasgarão a paisagem sem retas da minha cidade a retirar a vida de seus cidadãos, estejam eles engradados em jaulas com dispositivos eletrônicos ou não.

Curvas tão gigantescas como as da arena em que a bola, a curva sólida, rolará. Curvas para as marcações e nas cabeças rachadas de torcedores envolvidos em brigas. Curvas nas pontas dos cassetetes da polícia a rachar o corpo curvo de seus cidadãos, mas não para aqueles nos quais o dinheiro segue em uma linha reta (e por fora). Será a falsa proteção dos que insistirem nesse caos com tanto dinheiro.

Quero curvas por todos os lados, no paraíso e no inferno. Na subida do Corcovado ou do Complexo do Alemão. Isso pouco me importa. O que importa é o meu gosto e danem-se os desgostos que hão de vir em meio a tão sublime beleza.

Assim seja..."

Foi nesse instante que Madame Zoraide -- esse era um nome artístico, que fique bem claro -- acordou do seu sonho com os deuses e desolada foi para janela ao contemplar a paisagem curva. E uma lágrima de tristeza correu sobre as curvas de seu rosto ao perceber que o caos que vira, diferentemente do seu sonho, não era, de fato, obra de um deus caprichoso, belicoso e cheio de vontades

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