Saturday, July 26, 2008

Três Paulistas

O primeiro, na cozinha. O segundo, no escuro. O terceiro na claridade de verão em Ipanema.

O primeiro e o terceiro têm olhos verdes. O segundo, castanhos. O primeiro e o terceiro são igualmente altos e gordos. O segundo é mais baixo e magro. O tesão pelos três é absurdamente igual.

O primeiro já perdeu os cabelos. O terceiro ainda vai perdê-los. O segundo muda a cor do seu. Disse-me que era trauma de infância ou algo do tipo. Mas gosto de ver suas fotos mais jovens. A promessa do primeiro é mostrar-me suas fotos de juventude, em especial uma que não só eu tenho vontade de ver.

O primeiro e o segundo são mais velhos do que eu. O terceiro, a mesma idade. O que faz o terceiro ter uma ansiedade maior, talvez. Sei que o segundo e o terceiro são de signos de terra e tem várias bandas em comum. O primeiro tem um gosto que eu ainda desconheço, e ficamos prometendo-nos outras noites ardentes como daquele final de janeiro. Essa mesma promessa existe com o segundo. No entanto, elas nunca aconteceram, por causa do terceiro.

O segundo é o mais culto, é com ele que as palavras voam por uma conversa interminável assim como o orgasmo, ainda que tenham sido poucas vezes. Com o primeiro também foram poucas vezes, mas assim como com o terceiro, o conheci em um verão. E foi no mesmo dia do fim de janeiro de anos diferentes que transei com eles. Eles odeiam calor, o primeiro mais que o terceiro. O segundo tinha o cheiro de protetor solar em pleno outono paulistano. Foi por conta de um câncer de pele, ele me disse. O primeiro e o terceiro viraram a minha cabeça e moram no Norte. O segundo mora no Oeste, mas não é malvado, embora às vezes queira parecer.

O primeiro e o terceiro acham que já conhecem tudo, têm uma resposta pronta para as coisas e não gostam de passar atestado de burrice. O segundo não tem esse medo, é inteligente. É com o segundo que existem os segredos que não teria coragem de contar nem para o primeiro e nem para o terceiro. O terceiro não pode reclamar, pois, dos três, é com quem passei a maior parte do tempo. O primeiro e o segundo têm a vantagem da sinceridade, não inventaram mentiras e não são moralistas. O segundo às vezes tenta escamotear ou achar excessivamente estranha a forma que nos conhecemos, mas no fim ele mesmo se rende e assume o que gosta em meio a tantos outros segredos. Já o primeiro me pede segredo sobre o ocorrido desde que nos conhecemos em meio a luz daquele cômodo em um começo de janeiro. No começo de janeiro e em ambiente de muita luz eu conheci o terceiro, que dos três foi o que me fez me sentir mais à vontade comigo mesmo.


O primeiro e o terceiro lêem pouco. Minto, o primeiro gosta de revistas e o terceiro prefere os websites. O segundo vê o que os outros vêem e tem um gosto para leitura parecido com o meu. E assim como eu, sabe que não é dado a grandes juras de amor eterno, mas é o que arruma relacionamentos mais duradouros.

O primeiro e o segundo adoram me elogiar. Eles alimentam o narciso dentro de mim. Infla como um balão que o terceiro, sempre com a agulha da inveja sempre insistiu em furar. Nada do que eu gostava prestava ou o que ele tinha era melhor que o meu. E não era inveja do pênis, se assim fosse não teria cabimento. Aliás, nesse tema, “não ter cabimento” serve para os três, embora o segundo é o que gosta de fazer mais uso, o terceiro tem medo e o primeiro não liga.

O primeiro sonha com o casamento. O segundo diz que isso é bobagem e o terceiro gritava a plenos pulmões que queria liberdade. No entanto, foi o dos três que me pediu para juntar os trapos. Ledo engano, não sou homem de trapos, nem de restos.


Não me importam a imagem, a direção, os fetiches, os segredos, as juras, as promessas, os casamentos, as luzes. É fato que os três conheceram o meu coração. Por isso este texto existe.

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